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À Diversidade- até na memória.

4 abr

Perdoem-me a insistência, mas, meu pai, protagonista de minha vida, não poderia deixar de ser aqui, também, no blog.

Quando eu tinha cinco anos meu pai sofreu um aneurisma cerebral. Foi um caso gravíssimo, ele acordou, saiu de casa para trabalhar e desmaiou no playground do prédio. Dali ele seguiu diretamente pro Albert Einstein, em São Paulo.  Foram dois meses internado, quando ele foi submetido a uma clipagem para conter o rompimento da veia na região do hipotálamo, justo uma das regiões ligadas à memória. Resumindo o caso: meu pai era considerado um mini milagre pelos médicos; minha mãe foi alertada a não cultivar esperanças, que se meu pai “voltasse”, os danos seriam incalculáveis e ele poderia, inclusive, viver em estado vegetativo. Ele não só voltou, como, quando acordou, olhou para minha mãe e perguntou: “Cadê as crianças?”

Pois bem, lance é que, no final das contas, esse foi o único pai que realmente conheci. Um pai, para mim, normal, como todos os outros, mas com um problema de memória recente, que era absolutamente natural para mim. E eu sabia que isso já era incrível, porque, apesar de ser muito pequena quando tudo aconteceu,  este episódio era sempre relembrado, volta e meia, inclusive por ele, que costumava dizer  “Tenho um clipe na cabeça e, segundo os médicos,  eu posso morrer de qualquer coisa, menos disso.” E assim foi.

Tive o privilégio de conviver 26 anos com este pai extraordinário. E as peculiaridades de um pai com problemas com a memória recente me fizeram cometer até algumas pequenas maldades na adolescência: eu chegava pra ele e pedia “Pai, me dá 10 reais?”; ele me dava. Passavam 15 minutos e eu pedia novamente; ele não lembrava e eu ganhava 10 reais outra vez. Ou então quando eu pedia pra ir a uma festa e ele, bravo, dizia “Nem pensar!” e eu “Mas, pai, falei com você ontem e você tinha deixado!”, ele, um homem de palavra, não voltava atrás e acabava cedendo. (Hahaha, não me julguem, eu era só uma adolescente!). Ele não lembrava o endereço de algumas amigas que costumava dar carona vez ou outra, assim como quando qualquer amiga ligava lá pra casa, ele dizia “Olááá, cadê você, minha querida, que nunca mais veio em casa de pobre?, era engraçado, porque algumas vezes eram somente colegas ligando por causa de algum trabalho da faculdade, pessoas que eu não tinha a menor relação, mas ele já tinha esse texto pronto, para o caso de não se recordar de um ou outro nome. Enfim, sabe aquele filme com a Drew Barrymore e Adam Sandler, “Como se fosse a primeira vez” (50 first dates)? Ele sentia a maior agonia quando passava na TV, porque dadas as devidas distâncias –que são abismais- havia alguma semelhança. Ele tinha perda da memória recente. E esse esquecimento foi o que fez, ainda, meu pai não ter tanta consciência do câncer, quando estava perto de nos deixar. Ou ele fingia que não tinha consciência, nunca saberemos.

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(Ai, meu deus! A prolixidade está tomando conta de mim, tenham paciência!)

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Isso tudo porque minha mãe insistiu (hehehe) para eu ler um Best Seller- autoajuda ontem. ~O poder do Hábito~ (haha!), justo porque o livro descreve diversos casos de pacientes com perda de memória e, naturalmente, fizemos a associação imediata. Fui comentar com ela sobre algumas similaridades e ela me contou esta história: três meses após o aneurisma, já aqui em Salvador, minha mãe acordou e não encontrou meu pai em casa. Ela, angustiada, perguntou à moça que trabalhava lá em casa e ela disse que ele tinha pegado a chave do carro e saído. Minha mãe entrou em desespero: meu pai não estava reconhecendo quase nada nem ninguém de sua vida pré-cirurgia! Acontece que aquela memória lembrava bem o significado do 18 de setembro e, provocado por este estímulo, lembrou o caminho e dirigiu até o Shopping Barra para comprar presente para esposa virginiana, minha mãe. Ele não tinha dinheiro, nem cheque ou cartão e, graças a um conhecido, que ligou pra minha mãe e avisou, ficou tudo bem. Ah, ele também não se lembrava de onde tinha estacionado o carro, mas estava ali, no lugar de sempre, no último piso, ao ar livre.

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p.s.  Nunca me esquecerei do médico que cuidou de meu pai no Einstein, Dr. Guilherme Carvalhal (http://lattes.cnpq.br/1310002673242818). Quem sabe, nesses dias facebookianos, eu terei a oportunidade de encontrá-lo e cumprimentá-lo? : )

p.s2 O homem que ajudou meu pai quando ele desmaiou no prédio era nosso vizinho, pai de uma amiga da infância, Marianna, a Marianinha, que ano passado pude reencontrar por essas vias virtuais riovermelhenses. Fica registrado o agradecimento que sempre morou no coração de minha família. : )

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(Cartinha que enviei quando ele estava no Albert Einstein e eu com meus avós)

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(Eu, Inho e meu pai, na Escola Sol Maior)

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(Mainha, eu e o Dum)

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(A dupla!) 🙂

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(O amor)